A crise econômica deixada pela pandemia se alastrou por todo o país. No Brasil de Bolsonaro, no entanto, sabemos que quem sofre o pior impacto são, justamente, os mais pobres e vulneráveis. Não bastassem as altas taxas de desemprego e o avanço da informalidade, a quantidade de famílias com dívidas não para de crescer, atingindo o recorde de 78% dos lares brasileiros, em julho. A resposta do governo para a gravidade da situação.

Segundo a mais recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), citada acima, o total de famílias com dívidas ou contas em atraso ficou em 29% no mês passado. Dessas, 10,7% disseram não ter como pagar os compromissos assumidos, mostra o levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Nas faixas com renda abaixo de dez salários mínimos, o endividamento é ainda maior, alcançando 78,8%. Os números refletem claramente as políticas econômicas do governo Bolsonaro, focadas em criar oportunidades para os ricos, em detrimento dos pobres.

Frente a esse cenário, o Auxílio Brasil – uma das principais políticas públicas operadas pela Caixa – deveria ser um alívio para os brasileiros. Depois de quase três anos de pandemia, a população ainda precisa enfrentar a escalada da inflação e a progressiva perda de poder de compra. Para se ter uma ideia, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) calculou, com base em dados de maio, que o salário-mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 6.535,40. Ou seja, 5,39 vezes o mínimo atual, de R$ 1.212,00.

Em vez de socorrer os necessitados em meio à crise, o governo conseguiu transformar o Auxílio Brasil em mais uma forma de dificultar a situação econômica dos pobres. O decreto que regulamenta os consignados para beneficiários do programa exime a União de qualquer responsabilidade em caso de não pagamento do empréstimo, e nem sequer cria limites para cobrança de juros. Os bancos que já anunciaram que vão trabalhar com a modalidade pretendem cobrar taxas até três vezes maiores que outros consignados do mercado.

Vale lembrar que, quando o Bolsa Família foi criado, em 2004, o objetivo principal do benefício era servir como complemento de renda. A iniciativa, elogiada pelo Banco Mundial e replicada em diversos países no mundo inteiro, visava distribuir renda para elevar a qualidade de vida e padrão de consumo das classes mais baixas, promovendo igualdade e desenvolvimento social. Em dezembro de 2017, 21% da população (cerca 42 milhões de pessoas) era atendida pelo programa, que já representou 6% do PIB nacional. Hoje, o Auxílio Brasil mal basta para comprar comida e, agora, será usado para pagar dívidas.

O mesmo aconteceu como outras políticas públicas implementadas pela Caixa. O Minha Casa Minha Vida, extinto em 2021, investiu R$ 98,4 bilhões em quase 12 anos e revolucionou os padrões de moradia de grande parte da população brasileira. No fim de 2020, foi lançado o Casa Verde e Amarela. Os números da iniciativa mostram o progressivo esvaziamento da iniciativa durante o governo Bolsonaro, principalmente na Faixa 1, voltada para as rendas mais baixas. Foram construídas 101.211 unidades habitacionais da categoria. Um investimento total de R$ 13,6 bilhões (agosto de 2020 a dezembro de 2021).

Como representante das associações de trabalhadores da Caixa, é lamentável ver alguns dos mais renomados programas do banco serem esvaziados dessa forma – até porque enfraquecem o próprio papel da instituição como promotora do desenvolvimento nacional. Precisamos urgentemente nos afastar das políticas baseadas em lógicas de consumo, a serviço dos ricos e das grandes empresas – marca do governo Bolsonaro. Para promover a dignidade e a melhoria da qualidade de vida, é fundamental retornarmos aos valores que nos distinguem como brasileiros: a solidariedade com quem mais precisa e o compromisso com avançarmos juntos na construção de um país melhor.

* Sergio Takemoto tem 63 anos, é bacharel em administração de empresas e concursado da Caixa desde 1982

Esse artigo foi publicado originalmente na Veja, coluna de Matheus Leitão, em 24 de agosto de 2022